terça-feira, 10 de abril de 2012

Exercícios Respiratórios e a Prática da Serenidade

Na concepção do Taoismo serenar é gerar, com isso, os exercícios que ajudam na obtenção da serenidade têm também um efeito tônico para o organismo. As práticas introspectivas, que levam a pessoa a entrar em um estado profundo de serenidade, têm como característica a imobilidade e oferecem aos iniciantes maior dificuldade de serem aprendidas. Como consequência, gera resistência na hora de fazer e desestimula a sua prática em longo prazo. Ao contrário, os exercícios que envolvem algum tipo de movimento e, ao mesmo tempo, treinam a atenção de quem os pratica, favorecem a sua aprendizagem e têm uma dinâmica mais próxima do cotidiano, principalmente do mundo ocidental, em que a introspecção meditativa não faz parte do círculo exotérico de nossa cultura. Dentre estes, os exercícios respiratórios abdominais têm sido largamente utilizados como ponte de ligação entre o mundo da ação externa e o mundo da meditação. Com característica introspectiva sem exigir imobilidade, promovem a percepção de uma ação que aos poucos passa da sensação corporal externa para outra percebida internamente. A respiração abdominal é conhecida principalmente pelo seu efeito tônico da energia vital, mas quando é praticada de uma maneira mais lenta e interiorizada ajuda a serenar, porém, para se obter um melhor resultado, é muito importante conceber como isto acontece. Alguns pontos são relevantes neste sentido: o ritmo com que é feita a respiração, o deslocamento da atenção para o ventre, buscando focar-se na sensação física daquela região, e, também, a pulsação decorrente da intenção de expandi-lo na inspiração e do seu relaxamento/contração na expiração. Para potencializar mais ainda o efeito de relaxamento pode-se focar, durante a inspiração, na sensação física do corpo, sendo deslocada do ventre até a sola dos pés. Mas, principalmente, os efeitos benéficos desta prática vêm da ativação de um centro de energia que fica entre o umbigo e a coluna. Este centro de energia, conhecido como raiz do corpo físico e mãe de todos os centros de energia, é considerado o principal local de união e geração de energia vital no corpo, o seu nome é Tai Chi e o significado, na transmissão Taoista, é: o lugar no corpo de união das energias Yin e Yang (parte inferior e superior, Água e Fogo, Terra e Céu). Uma das dificuldades em fazer este treinamento vem da forma paradoxal que os Mestres Taoistas transmitem o conhecimento. Aconselham a buscar espontaneidade na ação do exercício e, para alcançar a serenidade, concebem como prejudicial, o excesso de concentração mental durante a prática. Com isso, o principiante fica perdido na dualidade da recomendação, em dúvida se é para ter ou não a intenção, fazer ou não o movimento. Com o aprimoramento na prática, que só vai ser alcançado ao ser constante e persistente, é possível compreender outra concepção para o termo intenção, que não está baseado na racionalidade. Perceber-se e sentir-se é diferente de pensar em si, o corpo sentido não é o corpo visualizado mentalmente. Assim, o aluno ocidental aos poucos descobre outra forma de acessar o conhecimento, diferentemente da forma usual de aprendizagem baseada na razão, acentuada pela necessidade do uso da linguagem para explicar a prática. Portanto, é no próprio fazer que o praticante descobrirá a limitação que possa advir da racionalização dos elementos que compõe o exercício e da ilusão que o conhecimento intelectualizado é o suficiente para aprendê-lo. A busca da espontaneidade é a busca de um fazer mais orgânico, em que memórias corporais possam ser despertas durante a prática, o que leva à descoberta do que os Taoistas chamam de “voltar a ser criança”. Relembrar aquilo que nos era espontâneo na infância, um estado de relaxamento e introspecção em que a energia vital fluía livremente pelo corpo. A prática do exercício respiratório abdominal pode levar a esta memória corporal, se, no entanto, não focar demais nos aspectos instrutivos formais. Então, aqui se entra no paradoxo, pois na hora de fazer a respiração busca-se agir sem agir, alcançar uma intenção que guarde em si o deixar acontecer. Ao fazer a prática, se obtém um estado de relaxamento, num primeiro momento, e há a tendência, muitas vezes em função do cansaço acumulado, de se cair no sono. Quando o exercício é feito antes de dormir, este efeito pode ser considerado benéfico à saúde, ao facilitar que a pessoa tenha um sono mais profundo e regenerador da energia. No entanto, se a busca do praticante é alcançar uma maior consciência corporal, ou especialmente entrar no estado meditativo, é preciso alcançar outra perspectiva de prática, em que serenar é diferente de relaxar e dormir. A serenidade passa a ser a consequência de uma atenção prolongada na região do Tai Chi e o resultado é um estado diferenciado de consciência, chamado pelos Taoistas de Vazio. O uso da palavra Vazio tem causado uma interpretação errada do seu real significado, principalmente quando é usada a expressão “buscar esvaziar”, para descrever a prática. A crença de que é preciso esvaziar a mente para conseguir serenar dificulta na hora de fazer o exercício, causando mais tensão do que relaxamento. O termo Vazio é tanto uma forma de descrever o Tao, como entrar no estado de meditação. Usar o Vazio para se referir ao Tao visa exprimir algo que não pode ser descrito, uma maneira de evitar dar forma àquilo que não tem forma. Qualquer característica atribuída ao Vazio o transforma em outra coisa. No livro escrito por Lao Tse – Tao Te King – é dito que: “O Tao que pode ser pronunciado não é o Tao eterno”. Quando o termo Vazio tem o intuito de descrever, o que acontece com a pessoa que entra no estado de meditação, fala-se de um estado de consciência em que a pessoa consegue perceber-se intensamente, mas não consegue descrever o que sente. Um momento em que não há pensamentos, sentimentos ou sensação física, não há palavras que o descreva e, por isso precisa, igualmente como no caso do Tao, de uma palavra especial que não busque explicar o inexplicável. A confusão se faz ao não entender que o esvaziar é um processo consequente da prática, algo que acontece espontaneamente e não algo conseguido a partir de algum tipo de esforço mental. Ingenuamente as pessoas ficam tentando parar de pensar e se irritando com isso. Ironicamente tentar parar de pensar não deixa de ser mais um pensamento. Portanto, a prática constante do exercício respiratório abdominal conduz à serenidade e à geração de energia vital.

Alimentação na Medicina Tradicional Chinesa

O Dr. Henry C. Lu Phd (1997, p. 21), que lecionou na Universidade de Alberta no Canadá e hoje dedica-se ao ensino da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e à tradução de seus clássicos para o inglês, expressa que:

“Há três fases de “verdade” com respeito à saúde tanto quanto em outros campos de conhecimento, o qual deveria ser completamente entendido e distinguido por um outro: 1. algo é verdadeiro, mas ninguém sabe sobre isso ainda; 2. algo é verdadeiro e algumas pessoas sabem sobre isso através de experiências; e 3. algo é verdadeiro, que tenha sido verificado pelos cientistas”.

Cita também que: “Se a população do século III da china fosse esperar a descoberta da ciência ocidental para as causas do bócio e da cegueira noturna, teriam de esperar muito para terem alivio dos seus males. No entanto, naquele período, já havia uma indicação de uso de algas marinhas para o bócio, e de fígado para a cegueira noturna. Na época, não se sabia que as algas tinham iodo, ou que o fígado tinha vitamina A. Mas isso não impediu que se desenvolvessem tratamentos. Não foi necessário esperar até o século XVIII para que a Ciência descobrisse no iodo a cura do bócio e, no século XX, a descoberta da vitamina A”. O que demonstra, que a humanidade para sua felicidade é capaz de encontrar seus caminhos de muitas maneiras.
A MTC estuda as fontes e formas de vitalidade que o corpo possui, onde elas são armazenadas, como se distribuem e o que as leva ao desequilíbrio. Sua visão de anatomia, fisiologia, patologia, terapêutica, bem como o estudo da etiologia das doenças possuem características próprias, diferenciando-se da medicina ocidental.
O conceito de alimentação está integrado ao de medicina e por tanto considerado um fator importante na manutenção da saúde. O estudo da qualidade terapêutica dos alimentos difere dos padrões estabelecidos no ocidente, por considerar as qualidades energéticas e não as químicas como referência na sua utilização. E apesar de parecer para nós ocidentais o parâmetro energético estranho, ele é facilmente aprendido.
Dois conceitos básicos: “Uma boa alimentação deve ser bem colorida”- a visão energética relaciona as cores dos alimentos a uma variedade de energias necessárias ao equilíbrio do organismo, tendo assim a presença das Cinco energias que compõem o ser humano. Consequentemente, esta variação de cores trará também a de elementos nutricionais químicos.
“Uma boa alimentação equilibra os alimentos quentes e frios”- numa divisão em duas polaridades existentes na natureza, yin e yang, os alimentos tendem a pertencer a uma ou a outra. Estas polaridades em equilíbrio no corpo sustentam a nossa saúde e o oposto nos leva ao adoecimento. Portanto, deve-se evitar uma alimentação que tenda para o extremo de um dos polos.
Alimentos de natureza quente são: carnes, massas, oleaginosos, doces, cereais, leguminosas, sementes, frituras e assados. Alguns mais quentes são: canela, cravo, anis estrelado, gengibre e alho.
Alimentos de natureza fria são: folhas, frutas, legumes. Alguns mais frios são: pera, melancia, caqui, pepino e água de coco.
Alguns alimentos estão no meio do caminho entre um polo e outro, e podem ser considerados mornos, como é o caso das raízes e da maça que estão próximas do quente e do feijão moyache que tem natureza mais fria.
É comum no frio tendermos a comer alimentos mais quentes e, no calor, mais frescos, porém sempre deve haver a combinação dos dois.
No caso de desequilíbrios internos, podemos usar este princípio para ajudar na recuperação. Se estivermos com calor interno ou febre, podemos comer alimentos que refresquem o corpo ou se nos sentimos fracos, cansados e com as extremidades frias, os alimentos quentes podem nos ajudar.
Na culinária oriental, ao pedir-se carne ou massa, estas virão acompanhadas de folhas e legumes, sempre buscando a combinação e o equilíbrio.
Os sabores dos alimentos e as suas cores, representam a sua característica energética, regulando e suprindo o organismo de vitalidade relacionada: ao Sangue, Energia, Líquidos internos e Cinco Órgãos (cinco elementos).
Os cereais são considerados o melhor dos alimentos pelo seu equilíbrio energético, dentre eles, a cevada é a que mais beneficia o organismo, em função de sua qualidade de regular os líquidos orgânicos, suprindo na deficiência e estimulando a eliminação no excesso.
A MTC não considera a alimentação como o único ou o melhor tratamento para curar às doenças, no entanto, ela é essencial na prevenção de desequilíbrios e na manutenção da saúde. Já a alimentação desequilibrada, pode piorar em muito os problemas da pessoa.
Recomenda-se para manter o equilíbrio da nossa energia vital comer 80% da fome em cada refeição para não sobrecarregar demais o organismo durante a digestão e mobilizar energia excessiva nesta função em detrimento de outras.
É claro que esta medida deve ser mensurada com bom senso, já que há situações, em que as pessoas, se alimentam em quantidade maior ou menor do que deveriam.

Lu, Henry C. Alimentos chineses para a longevidade: a arte da longa vida. São Paulo: Roca, 1997.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O Tai Chi e a Longevidade e a Longevidade do Tai Chi

Numa aula de Tao In (meditação Taoista), orientada pelo Mestre Liu Pai Lin, em que ele nos ensinava os treinamentos de “União de Céu, Terra e Homem”, uma moça perguntou o porquê em se falar tanto na tradição do Tai Chi Chuan em Saúde e Longevidade. O Mestre Liu, com uma expressão curiosa no rosto, fez uma pausa antes de responder e, em seguida, já com uma risada marota como às vezes costumava esboçar, começou a sua brincalhona e profunda resposta.

Iniciou sua fala com um comentário que deixou a moça que perguntara sem jeito, dizendo-lhe que, às vezes, tinha vontade de não responder certas perguntas e que, ao ouvir aquela, veio-lhe um pensamento: “que boba”. Mesmo assim, disse que a vida é uma grande dádiva, um acontecimento único, comparando-a à situação de alguém, no alto de uma montanha, jogar um grão de arroz e outra pessoa, no pé da mesma montanha com dois pauzinhos (utensílio utilizado para comer), conseguir apanhá-lo no ar. A vida é preciosa demais para não ser desfrutada plenamente.

A partir do momento em que a pessoa nasce é para viver, cultiva-se a saúde para viver bastante e busca-se a longevidade para se ter tempo suficiente de aprender tudo o que a vida tem a nos ensinar. A pessoa sem saúde não consegue desfrutar tão bem das muitas possibilidades oferecidas pela vida, por estar grande parte do tempo em busca de alívio aos seus males e, na falta de longevidade, não tem tempo de ir além dos erros que todos cometemos e poder aprender com eles.

O caminho do Tao é a união de Céu, Terra e Homem. Para acontecer este caminho de união, do micro com o macrocosmo, é preciso que nosso pequeno Céu (Lin Tai) - localizado na cabeça, com a nossa pequena Terra (Yin Chiao) - localizada atrás do púbis, unam-se no Tai Chi, a raiz do corpo físico, que fica na região do umbigo. Só assim, ao obter-se a união interna destes centros de energia, será possível ao micro unir-se ao macro, e o grande Céu e a grande Terra, na sua contínua união criadora de vida, serem atraídos a realizar sua união no interior do nosso corpo.

Esta fala do Mestre Liu nos remete à questão de quanto nós realmente compreendemos a intenção subjacente na prática do Tai Chi, vista pelo ângulo de um Mestre Taoista. Será que nossa noção de saúde e de longevidade é a mesma que para os Mestres da tradição do Tai Chi?

O Tai Chi Chuan vem nos mostrando, em sua longa história, a capacidade de trazer benefícios a quem o pratica, por uma razão muito simples: ao praticá-lo se intercalam os movimentos de recolhimento e de expansão, criando uma pulsação no corpo que promoverá uma melhora na circulação do sangue e da energia vital, na flexibilidade corporal e na capacidade de se obter interiorização e serenidade, o que consequentemente refletirá em aumento da saúde.

Na orientação do Mestre Liu, a saúde é dependente da capacidade do indivíduo gerar, circular e sustentar sua energia vital e está diretamente relacionada ao princípio Taoista que diz: “é do recolhimento que vem a verdadeira expansão”, bem como do sentido da expressão Yin e Yang, no qual o Yin simboliza o recolhimento e antecede o Yang, que representa a expansão. O Tai Chi Chuan, como prática corporal, nasceu desta tradição Taoista e engloba tais princípios.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cinco cuidados - Alimentação

Ouvi certa vez uma jovem mãe dizer que sua filha de seis meses de idade adorava ser levada ao MacDonald's. A moça em questão era filha de uma enfermeira, possuía curso superior e estava com 25 anos de idade; pela sua atitude, parecia que os cuidados com a alimentação não eram preocupações que lhe despertavam grandes interesses.
O sentido dado ao ato de comer pode variar de pessoa a pessoa. Comer pode ser um ato prazeroso por vários motivos: nutre o corpo e o mantém vivo, cria um espírito de comunhão entre as pessoas que compartilham uma refeição e também, muitas vezes, substitui necessidades afetivas, que direcionam o ato do comer e impelem à escolha de certos alimentos.
Desde o nascimento, a fome, enquanto impulso primário, expressa a necessidade de suprir o corpo de energia para dar continuidade à vida. Com o alimento o bebê tem a sensação prazerosa de saciedade, segurança e proteção. Juntamente ao afeto recebido, a alimentação nos primeiros meses de vida estabelece uma referência marcante que influenciará as escolhas futuras do indivíduo na busca de vitalidade, comunhão, segurança e consolação, por meio dos alimentos.
Para a criança, os jovens e os adultos os maus hábitos constituídos, a falta de orientação, os desequilíbrios orgânicos e emocionais, o modo de vida estressante e a pouca ou nenhuma compreensão do que é ou não saudável contribuem para uma prática alimentar inadequada.
Para colaborar com essa incompreensão, na sociedade atual, a idéia de saúde se mescla com a aparência - estar em forma ou com boa forma – e o conceito de alimentação passa a ser o de controle alimentar, muitas vezes por intermédio de dietas rígidas com fins momentâneos, sem comprometimento com a vida futura. Esta forma de proceder não permite o vínculo saudável e a obtenção de mudanças duradouras na alimentação.
Nas práticas taoístas e na medicina chinesa, a dieta está relacionada à vida saudável e à maior capacidade de escolha dos alimentos e, desta forma, facilita o autoconhecimento e torna a pessoa menos sujeita à impulsos prejudiciais ao seu bem estar.
A alimentação é um dos Cinco Cuidados necessários para manter-se com boa saúde e se refere a um processo complexo que se estende desde a qualidade do alimento ingerido até a sua eliminação. Ao desejar comer algo, vários impulsos do indivíduo entram em movimento e determinam escolhas alimentares que interferirão na manutenção de sua saúde.
Na concepção clássica chinesa de nutrição, o princípio do Yin e Yang e sua mutação em cinco energias diferentes, chamadas na literatura ocidental de cinco elementos, é o que dá a base para a orientação de uma boa alimentação. Estas duas forças, complementares na sua interação, transformam-se em cinco manifestações diferentes de energia que dão sabor, cor e propriedades energéticas aos alimentos, como também se relacionam aos órgãos internos, a várias atividades fisiológicas e a características psicológicas e expressões emocionais.
Na utilização prática deste princípio, busca-se o equilíbrio do corpo com o meio ambiente, ao regular, através das qualidades Yin e Yang próprias dos alimentos, o frio e o calor, a umidade e a secura e desta maneira harmoniza-se as nossas necessidades imediatas com as características externas do lugar em que estamos: se está frio comemos alimentos de característica Yang, geradores de calor, e se está calor come-se alimentos Yin, mais refrescantes. Na época mais seca, come-se alimentos que umedecem e quando está muito úmido alimentos que drenam a umidade. Regulam-se também fatores relacionados ao desgaste ou hiperestimulação pela atividade excessiva, como os alimentos de tônica Yang para o cansaço e os de tônica Yin para a agitação.
Como regra geral o alimento é escolhido de duas maneiras, a primeira, dosando-se o Yin e o Yang de acordo com a percepção de equilíbrio entre interior e exterior, sensação corporal e clima e a segunda, na escolha de alimentos variados, combinando várias cores e sabores a cada refeição, na composição de cada prato.
Outro fator de suma importância para se ter uma boa digestão, absorção dos nutrientes e dos alimentos e efetiva eliminação de seus resíduos, está no estado de espírito com que a pessoa está comendo: quanto mais tranqüila for sua refeição melhor será seu resultado.
A teoria torna-se menos complexa ao desenvolvermos uma sensibilidade observacional do próprio corpo sem se prender em especulações teóricas a cada refeição. O hábito de sentir as demandas do corpo pela auto-observação é fundamental nessa prática dietética, para que as escolhas sejam fruto da percepção das nossas reais necessidades e estejam em ressonância com a nossa saúde.
Um outro conceito desenvolvido pela acurada observação dos antigos chineses é chamado de Ciclo da Criação e Ciclo da Destruição, dois modos de relacionar-se com o mundo, presentes na vida de todas as pessoas. No primeiro, as escolhas são fruto de uma percepção a cada momento do que é ou não harmônico e, no segundo, - extremo oposto - escolhe-se o que mais prejudica e tem-se uma atração constante a aquilo que faz mal.
As práticas meditativas, ao proporcionarem aumento da energia vital, os exercícios físicos e respiratórios, ao proporcionarem liberação e distribuição de energia vital, e o sono, através do descanso, favorecem, ao darem vitalidade ao organismo, que o alimento não seja a única fonte para obtenção de energia e com isso o desejo eminente de comer diminui.
A prática da auto-observação não está somente vinculada à escolha do que comer, ela ajuda também a mostrar qual é a verdadeira motivação no instante, quais necessidades estão por detrás da escolha e se esta não foi vinculada a um estado emocional que deflagrou o desejo por aquela comida em especial. Por sua vez, as escolhas não devem ser vistas como algo conceitual, baseado em regras, e sim regidas por bom senso e percebidas nas necessidades que emergem na tessitura entre os aspectos internos e externos, próprios de cada um.

Cinco Cuidados - Sono

Recolher é gerar! A veracidade deste princípio antigo chinês é reconhecida facilmente por qualquer pessoa que tenha uma significativa perda de horas de sono tranqüilo. Evidencia-se tal princípio depois de um período estressante, acompanhado do sentimento de cansaço e da vontade intensa de dormir.
A quantidade de horas necessárias de sono varia para cada um, podendo aumentar de acordo com o cansaço acumulado e/ou a limitada capacidade de gerar energia de outra forma. Uma pessoa que dorme muito, se houver exagero, pode também se sentir cansada por não estar dispondo da circulação de vitalidade que é proporcionada pelo movimento.
O sono é a maneira mais usual e necessária de recolhimento, dificilmente substituído pela meditação, isto só acontece parcialmente com pessoas com grau avançado nesta prática. Para as pessoas em geral, dormir é insubstituível e, portanto, se faz necessário ter um especial cuidado para que o sono possa ser eficaz.
Saber dormir com serenidade e relaxamento é um dos Cinco Cuidados para a Saúde e envolve alguns conhecimentos que dão possibilidade para que o sono aconteça com mais facilidade.
A partir dos conceitos de Yin e Yang, à meia noite é o horário do extremo Yin e representa, na natureza, o ápice do recolhimento. Em seqüência, caminha para o jovem Yang, o início da expansão, que vai aparecer mais nitidamente na madrugada ao surgir a luz solar.
Alguns cuidados podem ser tomados para propiciar um sono reparador:
Quanto mais cedo dormir melhor. Para os estudiosos de medicina chinesa já aparece um pequeno sinal de expansão a partir das 23h, ocasionando em algumas pessoas uma sensação de despertar neste horário e fazendo-as dormir bem mais tarde do que seria aconselhado. Recolher-se antes deste horário, além de ajudar ao sono vir mais facilmente, faz também com que ele seja mais profundo e a pessoa se sinta mais descansada ao acordar.
Jantar no início da noite. A digestão pode atrapalhar ao sono se o alimento ingerido não for leve. No critério chinês de alimentação, quanto mais cedo for a última refeição e composta de alimentos de fácil digestão é melhor, pois favorece a capacidade de dormir rápida e profundamente. O critério de alimento leve e de fácil digestão pode variar de pessoa a pessoa, mas aconselha-se, de forma geral, a dar preferência para legumes acompanhados de poucos carboidratos, além de evitar carnes ou outros alimentos protéicos.
Relaxar antes de deitar. A prática de relaxamento antes de deitar para dormir é muito útil a pessoas com muita atividade mental nesta hora. Deitar-se com a mente muito ativa dificulta a chegada do sono e cria um estado de ansiedade que por sua vez, aumentará mais ainda a dificuldade de dormir. Fazer uma prática de relaxamento na posição sentada, prepara a mente para desligar-se, favorecendo o sono chegar mais rápido. Um recurso extra para os dias de maior dificuldade é o uso de “escalda pés”, antecedendo a ida para a cama, para diminuir o fluxo de sangue e energia na parte superior e desviar para a inferior, proporcionando, assim, mais rapidamente o relaxar.
Ouvir o corpo antes de dormir. No decorrer do dia, os afazeres comumente impedem a tomada de consciência do que está acontecendo ao corpo e quais são as suas necessidades de cuidado. O recolher é uma forma de ouvir e dar atenção às falhas no auto-cuidado, que foram acumuladas pela impossibilidade de se atentar e suprir ao longo do período de “vigília”. O exercício da introspecção favorece a elaboração de questões que, se não compreendidas, levarão ao aparecimento de sonhos agitados; favorece também a liberação do acúmulo de tensão na musculatura, das emoções reprimidas ou exacerbadas, que são prejudiciais ao sono e que causam contraturas na região cervical e na articulação da boca, podendo resultar na causa de vários problemas de saúde.
Deixar o ambiente mais tranqüilo. Se o intuito é recolher-se, então é necessário diminuir os estímulos no ambiente e induzir com isso o corpo a reconhecer o que se espera dele neste momento. Pode-se, para isso, deixar a luz suave e colocar uma música que acalme.
Portanto, o sono e o cuidado com este momento representam formas de cuidado e recolhimento que resultam na promoção da saúde.

Cinco Cuidados - Respiração

Para a Tradição Taoísta, o amanhecer é considerado a primavera do dia, o horário em que a se natureza expande e doa vida a todos os seres. Assim, acordar cedo e fazer um exercício respiratório permitem entrar em contato com o fluxo da vida. Neste horário é incentivado fazer exercícios físicos mais intensos ao ar livre, já o entardecer, por sua vez, é considerado o momento em que a natureza recolhe e colhe o que está na superfície, devendo, portanto, ser feitos exercícios mais moderados, dentro de casa, e com intuito de serenar e preparar o sono.
Alguns exercícios respiratórios desta tradição curiosamente têm fins aparentemente opostos, ou seja, ao mesmo tempo em que relaxam, também vitalizam o organismo e têm como qualidade serem facilmente aprendidos. Nesta visão de prática, a pessoa saudável é aquela que se sente calma e ao mesmo tempo vitalizada.
Com o seu efeito duplo de serenar e gerar energia, os exercícios aliviam a tensão e estimulam a vitalidade de quem os pratica, tornando a pessoa mais dinâmica e menos vulnerável às alterações emocionais e ao estresse. Uma pessoa que, no decorrer do dia, faz pequenas pausas de recolhimento, por meio desta técnica, diminuirá a tensão que se acumula pouco a pouco em si e que faz com que, no final do dia, seja muito mais difícil o relaxar, como conseqüência do acúmulo de tal tensão.
Como prática de recolhimento Taoísta, os exercícios respiratórios demandam um tipo de atenção bem característica, pois se deve ater à sensação física que a respiração traz no movimento de expansão e recolhimento do ventre, mais do que a um movimento puramente automático. A atenção deve ser dividida em dois momentos: um Yang mais ativo na inspiração e um Yin mais passivo na expiração. O primeiro refere-se à expansão, ao fazer, ao estar atento ao corpo e sentir-lhe o movimento; e o segundo remete ao recolhimento, ao não fazer, ao soltar o corpo e não querer nada, apenas e principalm’1ente soltar-se e deixar fluir1. Sinteticamente falando, a intenção durante o exercício é dividida entre o sentir e o relaxar o corpo.
O ato de se concentrar na sensação do pulsar da respiração, localizada no abdome, conduz a um estado de relaxamento, bem como a um treino da atenção, que se trata de uma importante etapa a ser desenvolvida para a prática de uma serenidade profunda, ou seja, a meditação propriamente dita.
Relaxar é gerar e aumentar o potencial de vitalidade, alcançado quando o corpo, as emoções e a mente ficam tranqüilos, principalmente pelos estímulos ofertados por meio da respiração abdominal, realizada no ponto central de energia do corpo, localizado na região atrás do umbigo. Este centro é conhecido pelos Taoístas como o mais importante para o comando da energia de todo o corpo, sendo a respiração abdominal a forma mais básica de estimulá-lo. O seu nome é Tai Chi e representa o lugar onde o Yin e o Yang se encontram.
Portanto, a respiração se caracteriza como um cuidado elementar para a saúde. Sua realização, na concepção Taoísta, é referida como prática preparatória à meditação mais indicada no nascimento do dia, pois tal momento expressa a relação sincrônica existente entre a natureza e o ser humano, a partir do momento da primeira respiração.
A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) concebe a saúde como um potencial de energia vital que circula pelo corpo por uma rede de caminhos denominados, no Ocidente, de meridianos de energia, em alusão aos caminhos imaginários com os quais foi dividida a terra. O meridiano do pulmão, que tem como horário de fluxo entre 3h e 5h da madrugada, inicia a seqüência dos 12 meridianos básicos que transportam a energia vital pelo corpo e comanda a circulação da energia que atua na sua superfície, o Wei Tchi (energia de defesa). No Ocidente, o conceito de imunidade ou resistência do organismo equivale, na medicina chinesa, à boa expressão do Wei Tchi. Para a MTC, a prática de exercícios respiratórios estimula a circulação da energia de defesa pela superfície do corpo, interferindo na abertura e no fechamento dos poros, controlando a transpiração, ajudando as estruturas articulares, como também a saúde e a aparência da pele.
Se pensarmos na respiração como o primeiro e o último ato feito na vida de uma pessoa, por mais reflexo e mecânico que este ato possa parecer ser, fica possível compreender o porquê que o seu estudo e aprimoramento suscitaram tanta importância em todo Oriente. Como dizem os Mestres Taoístas, só é possível compreender alguma prática com profundidade por meio da experiência. Sem praticar e sentir por si próprio o resultado, tudo o que foi dito são apenas palavras e nada mais.
1Esta expressão está relacionada à busca de uma espontaneidade no relaxar, em que se permite que haja uma melhor fluidez da energia vital pelo corpo, fato este que é realçado por um estado de desprendimento e não intenção.

domingo, 6 de setembro de 2009

Introdução ao pensamento Taoísta

Este texto foi escrito a partir de uma coletânea de aulas do mestre Liu Pai Lin.
A jornada do dia e da noite é o que dá vida à terra e esse movimento é gerado pelo cosmos. O homem existe porque existe o céu e a terra e eles são os nossos verdadeiros pais.
Tudo que há no céu e na terra o homem também possui e se eles tem uma vida longa, nós também podemos ter. Para isso deve-se emprestar do espírito invisível, para treinar o corpo físico.
A terra é serena e recebe o brilho que vem do céu (do sol, da lua e das estrelas), então ela se movimenta com o fogo, água e o vento. A união das energias do céu e terra fazem aflorar as montanhas, que energeticamente são muito fortes. É essa mesma união que faz nascer o homem, o ser mais espiritual da natureza (em potencial).
Tudo nasce de uma energia vital chamada Lin Tchi (Lin - espiritual, Tchi - energia). O homem é quem está mais perto dessa energia, quando entra-se em contado profundo com ela, o destino não dita mais a vida desta pessoa, ela se une à origem e conduz sua própria existência.
No instante da concepção, há uma união das energias do pai, da mãe e da natureza, gerando tanto o corpo visível (físico), como o corpo invisível ou sutil, que sustenta a vida do primeiro. Este corpo sutil é chamado de ar vital ou energia vital.
Essa energia fica distribuída em várias partes do nosso corpo :
- Nas grandes articulações, que necessitam de flexibilidade e movimento natural para que essa energia circule.
- Nos órgãos internos, que desde a concepção até a pequena infância, recebem uma certa quantidade de energia que lhes dará o seu tempo de vida.
- E, principalmente nos centros de energia, distribuídos pelo nosso corpo, sendo estes uma força latente que poucas pessoas chegam a conhecer ou utilizar em suas vidas.
Os centros ficam em lugares estratégicos para possibilitar a fluidez da energia.

Da mesma forma que o planeta tem dois pólos, o nosso corpo também tem.
Estes pólos se caracterizam por terem energias de naturezas diferentes, chamadas Yin e Yang.
Yin - noite, feminino, frio, água, recolhimento, Terra, etc.
Yang - dia, masculino, calor, fogo, expansão, Céu, etc.
O nosso pólo superior ou centro de energia yang fica na cabeça e liga-se naturalmente ao Céu. O nosso pólo inferior ou yin fica na região genital e liga-se naturalmente à Terra.
O Céu, o grande yang, absorve naturalmente a energia do nosso pequeno yang. A Terra o grande yin absorve naturalmente a energia do nosso pequeno yin.
Para haver a preservação da nossa energia, é preciso unir os nossos dois pólos à mãe de todos os centros de energia que fica na região do umbigo.
Este centro também é chamado de raiz e a união do yin e yang neste lugar é o verdadeiro significado do termo Tai Chi. Esta união leva à uma sustentação e geração da nossa energia vital.
"A beleza da flor está na força de sua raiz, se esta é forte, mesmo que a flor murche, ela pode brotar numa nova primavera. Porque a raiz está escondida embaixo, não se dá a devida importância à ela." Liu Pai Lin
"A Natureza cria todas as coisas dando-lhes uma parcela de energia vital. Esta, por ser invisível e vazia parece inexistente, não pode ser vista, mas está em toda a parte e sua presença cria a vida em tudo". Liu Pai Lin
Quando a natureza recolhe de volta a sua energia, a vida acaba.
"A criança pulsa naturalmente a raiz da vida, ela não pensa, tudo acontece sozinho." Liu Pai Lin
Desbloqueando os caminhos de energia e abraçando o Tai Chi (umbigo) é possível:
1- não dispersar a energia
2- gerar nova energia com a união
3- colher da natureza
"O homem deve treinar sua energia vital para obter flexibilidade e voltar ao estado de criança. Na criança a energia vital mais entra do que sai." LaoTze
"O homem comum respira pelo peito e garganta. O homem verdadeiro respira pela raiz e pelos pés." Chuang Tze
No céu há três preciosidades: o sol, a lua e as estrelas.
Na terra há três preciosidades: o vento, o fogo, e a água.
O homem tem em si essas seis preciosidades distribuídas em três partes em seu corpo, que são: o suco cerebral, o sangue verdadeiro do coração e a essência.
Essas três preciosidades que guardam a nossa energia vital mais sutil e espiritual, quando unidas, geram umas às outras e sustentam nosso corpo físico. Esse gerador natural que o homem possui, se não é usado, perde sua função.
Essa energia vital mais sutil que foi recebida da natureza antes do nascimento e depois no período em que a moleira estava aberta é chamada de PRÉ NATAL.
A energia que é absorvida através da respiração e dos alimentos é chamada de PÓS NATAL.
Esta última é passageira, durando pouco tempo em nosso corpo, precisando ser reposta sistematicamente.
"A melhor alimentação e a riqueza material não evitam a morte das pessoas. Quando a energia que entra é menor do que a que sai, a pessoa adoece e morre rapidamente."
"Alimentar-se só da terra, volta-se rapidamente para ela, é preciso alimentar-se também do céu”. Liu Pai Lin