segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cinco cuidados - Alimentação

Ouvi certa vez uma jovem mãe dizer que sua filha de seis meses de idade adorava ser levada ao MacDonald's. A moça em questão era filha de uma enfermeira, possuía curso superior e estava com 25 anos de idade; pela sua atitude, parecia que os cuidados com a alimentação não eram preocupações que lhe despertavam grandes interesses.
O sentido dado ao ato de comer pode variar de pessoa a pessoa. Comer pode ser um ato prazeroso por vários motivos: nutre o corpo e o mantém vivo, cria um espírito de comunhão entre as pessoas que compartilham uma refeição e também, muitas vezes, substitui necessidades afetivas, que direcionam o ato do comer e impelem à escolha de certos alimentos.
Desde o nascimento, a fome, enquanto impulso primário, expressa a necessidade de suprir o corpo de energia para dar continuidade à vida. Com o alimento o bebê tem a sensação prazerosa de saciedade, segurança e proteção. Juntamente ao afeto recebido, a alimentação nos primeiros meses de vida estabelece uma referência marcante que influenciará as escolhas futuras do indivíduo na busca de vitalidade, comunhão, segurança e consolação, por meio dos alimentos.
Para a criança, os jovens e os adultos os maus hábitos constituídos, a falta de orientação, os desequilíbrios orgânicos e emocionais, o modo de vida estressante e a pouca ou nenhuma compreensão do que é ou não saudável contribuem para uma prática alimentar inadequada.
Para colaborar com essa incompreensão, na sociedade atual, a idéia de saúde se mescla com a aparência - estar em forma ou com boa forma – e o conceito de alimentação passa a ser o de controle alimentar, muitas vezes por intermédio de dietas rígidas com fins momentâneos, sem comprometimento com a vida futura. Esta forma de proceder não permite o vínculo saudável e a obtenção de mudanças duradouras na alimentação.
Nas práticas taoístas e na medicina chinesa, a dieta está relacionada à vida saudável e à maior capacidade de escolha dos alimentos e, desta forma, facilita o autoconhecimento e torna a pessoa menos sujeita à impulsos prejudiciais ao seu bem estar.
A alimentação é um dos Cinco Cuidados necessários para manter-se com boa saúde e se refere a um processo complexo que se estende desde a qualidade do alimento ingerido até a sua eliminação. Ao desejar comer algo, vários impulsos do indivíduo entram em movimento e determinam escolhas alimentares que interferirão na manutenção de sua saúde.
Na concepção clássica chinesa de nutrição, o princípio do Yin e Yang e sua mutação em cinco energias diferentes, chamadas na literatura ocidental de cinco elementos, é o que dá a base para a orientação de uma boa alimentação. Estas duas forças, complementares na sua interação, transformam-se em cinco manifestações diferentes de energia que dão sabor, cor e propriedades energéticas aos alimentos, como também se relacionam aos órgãos internos, a várias atividades fisiológicas e a características psicológicas e expressões emocionais.
Na utilização prática deste princípio, busca-se o equilíbrio do corpo com o meio ambiente, ao regular, através das qualidades Yin e Yang próprias dos alimentos, o frio e o calor, a umidade e a secura e desta maneira harmoniza-se as nossas necessidades imediatas com as características externas do lugar em que estamos: se está frio comemos alimentos de característica Yang, geradores de calor, e se está calor come-se alimentos Yin, mais refrescantes. Na época mais seca, come-se alimentos que umedecem e quando está muito úmido alimentos que drenam a umidade. Regulam-se também fatores relacionados ao desgaste ou hiperestimulação pela atividade excessiva, como os alimentos de tônica Yang para o cansaço e os de tônica Yin para a agitação.
Como regra geral o alimento é escolhido de duas maneiras, a primeira, dosando-se o Yin e o Yang de acordo com a percepção de equilíbrio entre interior e exterior, sensação corporal e clima e a segunda, na escolha de alimentos variados, combinando várias cores e sabores a cada refeição, na composição de cada prato.
Outro fator de suma importância para se ter uma boa digestão, absorção dos nutrientes e dos alimentos e efetiva eliminação de seus resíduos, está no estado de espírito com que a pessoa está comendo: quanto mais tranqüila for sua refeição melhor será seu resultado.
A teoria torna-se menos complexa ao desenvolvermos uma sensibilidade observacional do próprio corpo sem se prender em especulações teóricas a cada refeição. O hábito de sentir as demandas do corpo pela auto-observação é fundamental nessa prática dietética, para que as escolhas sejam fruto da percepção das nossas reais necessidades e estejam em ressonância com a nossa saúde.
Um outro conceito desenvolvido pela acurada observação dos antigos chineses é chamado de Ciclo da Criação e Ciclo da Destruição, dois modos de relacionar-se com o mundo, presentes na vida de todas as pessoas. No primeiro, as escolhas são fruto de uma percepção a cada momento do que é ou não harmônico e, no segundo, - extremo oposto - escolhe-se o que mais prejudica e tem-se uma atração constante a aquilo que faz mal.
As práticas meditativas, ao proporcionarem aumento da energia vital, os exercícios físicos e respiratórios, ao proporcionarem liberação e distribuição de energia vital, e o sono, através do descanso, favorecem, ao darem vitalidade ao organismo, que o alimento não seja a única fonte para obtenção de energia e com isso o desejo eminente de comer diminui.
A prática da auto-observação não está somente vinculada à escolha do que comer, ela ajuda também a mostrar qual é a verdadeira motivação no instante, quais necessidades estão por detrás da escolha e se esta não foi vinculada a um estado emocional que deflagrou o desejo por aquela comida em especial. Por sua vez, as escolhas não devem ser vistas como algo conceitual, baseado em regras, e sim regidas por bom senso e percebidas nas necessidades que emergem na tessitura entre os aspectos internos e externos, próprios de cada um.

Cinco Cuidados - Sono

Recolher é gerar! A veracidade deste princípio antigo chinês é reconhecida facilmente por qualquer pessoa que tenha uma significativa perda de horas de sono tranqüilo. Evidencia-se tal princípio depois de um período estressante, acompanhado do sentimento de cansaço e da vontade intensa de dormir.
A quantidade de horas necessárias de sono varia para cada um, podendo aumentar de acordo com o cansaço acumulado e/ou a limitada capacidade de gerar energia de outra forma. Uma pessoa que dorme muito, se houver exagero, pode também se sentir cansada por não estar dispondo da circulação de vitalidade que é proporcionada pelo movimento.
O sono é a maneira mais usual e necessária de recolhimento, dificilmente substituído pela meditação, isto só acontece parcialmente com pessoas com grau avançado nesta prática. Para as pessoas em geral, dormir é insubstituível e, portanto, se faz necessário ter um especial cuidado para que o sono possa ser eficaz.
Saber dormir com serenidade e relaxamento é um dos Cinco Cuidados para a Saúde e envolve alguns conhecimentos que dão possibilidade para que o sono aconteça com mais facilidade.
A partir dos conceitos de Yin e Yang, à meia noite é o horário do extremo Yin e representa, na natureza, o ápice do recolhimento. Em seqüência, caminha para o jovem Yang, o início da expansão, que vai aparecer mais nitidamente na madrugada ao surgir a luz solar.
Alguns cuidados podem ser tomados para propiciar um sono reparador:
Quanto mais cedo dormir melhor. Para os estudiosos de medicina chinesa já aparece um pequeno sinal de expansão a partir das 23h, ocasionando em algumas pessoas uma sensação de despertar neste horário e fazendo-as dormir bem mais tarde do que seria aconselhado. Recolher-se antes deste horário, além de ajudar ao sono vir mais facilmente, faz também com que ele seja mais profundo e a pessoa se sinta mais descansada ao acordar.
Jantar no início da noite. A digestão pode atrapalhar ao sono se o alimento ingerido não for leve. No critério chinês de alimentação, quanto mais cedo for a última refeição e composta de alimentos de fácil digestão é melhor, pois favorece a capacidade de dormir rápida e profundamente. O critério de alimento leve e de fácil digestão pode variar de pessoa a pessoa, mas aconselha-se, de forma geral, a dar preferência para legumes acompanhados de poucos carboidratos, além de evitar carnes ou outros alimentos protéicos.
Relaxar antes de deitar. A prática de relaxamento antes de deitar para dormir é muito útil a pessoas com muita atividade mental nesta hora. Deitar-se com a mente muito ativa dificulta a chegada do sono e cria um estado de ansiedade que por sua vez, aumentará mais ainda a dificuldade de dormir. Fazer uma prática de relaxamento na posição sentada, prepara a mente para desligar-se, favorecendo o sono chegar mais rápido. Um recurso extra para os dias de maior dificuldade é o uso de “escalda pés”, antecedendo a ida para a cama, para diminuir o fluxo de sangue e energia na parte superior e desviar para a inferior, proporcionando, assim, mais rapidamente o relaxar.
Ouvir o corpo antes de dormir. No decorrer do dia, os afazeres comumente impedem a tomada de consciência do que está acontecendo ao corpo e quais são as suas necessidades de cuidado. O recolher é uma forma de ouvir e dar atenção às falhas no auto-cuidado, que foram acumuladas pela impossibilidade de se atentar e suprir ao longo do período de “vigília”. O exercício da introspecção favorece a elaboração de questões que, se não compreendidas, levarão ao aparecimento de sonhos agitados; favorece também a liberação do acúmulo de tensão na musculatura, das emoções reprimidas ou exacerbadas, que são prejudiciais ao sono e que causam contraturas na região cervical e na articulação da boca, podendo resultar na causa de vários problemas de saúde.
Deixar o ambiente mais tranqüilo. Se o intuito é recolher-se, então é necessário diminuir os estímulos no ambiente e induzir com isso o corpo a reconhecer o que se espera dele neste momento. Pode-se, para isso, deixar a luz suave e colocar uma música que acalme.
Portanto, o sono e o cuidado com este momento representam formas de cuidado e recolhimento que resultam na promoção da saúde.

Cinco Cuidados - Respiração

Para a Tradição Taoísta, o amanhecer é considerado a primavera do dia, o horário em que a se natureza expande e doa vida a todos os seres. Assim, acordar cedo e fazer um exercício respiratório permitem entrar em contato com o fluxo da vida. Neste horário é incentivado fazer exercícios físicos mais intensos ao ar livre, já o entardecer, por sua vez, é considerado o momento em que a natureza recolhe e colhe o que está na superfície, devendo, portanto, ser feitos exercícios mais moderados, dentro de casa, e com intuito de serenar e preparar o sono.
Alguns exercícios respiratórios desta tradição curiosamente têm fins aparentemente opostos, ou seja, ao mesmo tempo em que relaxam, também vitalizam o organismo e têm como qualidade serem facilmente aprendidos. Nesta visão de prática, a pessoa saudável é aquela que se sente calma e ao mesmo tempo vitalizada.
Com o seu efeito duplo de serenar e gerar energia, os exercícios aliviam a tensão e estimulam a vitalidade de quem os pratica, tornando a pessoa mais dinâmica e menos vulnerável às alterações emocionais e ao estresse. Uma pessoa que, no decorrer do dia, faz pequenas pausas de recolhimento, por meio desta técnica, diminuirá a tensão que se acumula pouco a pouco em si e que faz com que, no final do dia, seja muito mais difícil o relaxar, como conseqüência do acúmulo de tal tensão.
Como prática de recolhimento Taoísta, os exercícios respiratórios demandam um tipo de atenção bem característica, pois se deve ater à sensação física que a respiração traz no movimento de expansão e recolhimento do ventre, mais do que a um movimento puramente automático. A atenção deve ser dividida em dois momentos: um Yang mais ativo na inspiração e um Yin mais passivo na expiração. O primeiro refere-se à expansão, ao fazer, ao estar atento ao corpo e sentir-lhe o movimento; e o segundo remete ao recolhimento, ao não fazer, ao soltar o corpo e não querer nada, apenas e principalm’1ente soltar-se e deixar fluir1. Sinteticamente falando, a intenção durante o exercício é dividida entre o sentir e o relaxar o corpo.
O ato de se concentrar na sensação do pulsar da respiração, localizada no abdome, conduz a um estado de relaxamento, bem como a um treino da atenção, que se trata de uma importante etapa a ser desenvolvida para a prática de uma serenidade profunda, ou seja, a meditação propriamente dita.
Relaxar é gerar e aumentar o potencial de vitalidade, alcançado quando o corpo, as emoções e a mente ficam tranqüilos, principalmente pelos estímulos ofertados por meio da respiração abdominal, realizada no ponto central de energia do corpo, localizado na região atrás do umbigo. Este centro é conhecido pelos Taoístas como o mais importante para o comando da energia de todo o corpo, sendo a respiração abdominal a forma mais básica de estimulá-lo. O seu nome é Tai Chi e representa o lugar onde o Yin e o Yang se encontram.
Portanto, a respiração se caracteriza como um cuidado elementar para a saúde. Sua realização, na concepção Taoísta, é referida como prática preparatória à meditação mais indicada no nascimento do dia, pois tal momento expressa a relação sincrônica existente entre a natureza e o ser humano, a partir do momento da primeira respiração.
A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) concebe a saúde como um potencial de energia vital que circula pelo corpo por uma rede de caminhos denominados, no Ocidente, de meridianos de energia, em alusão aos caminhos imaginários com os quais foi dividida a terra. O meridiano do pulmão, que tem como horário de fluxo entre 3h e 5h da madrugada, inicia a seqüência dos 12 meridianos básicos que transportam a energia vital pelo corpo e comanda a circulação da energia que atua na sua superfície, o Wei Tchi (energia de defesa). No Ocidente, o conceito de imunidade ou resistência do organismo equivale, na medicina chinesa, à boa expressão do Wei Tchi. Para a MTC, a prática de exercícios respiratórios estimula a circulação da energia de defesa pela superfície do corpo, interferindo na abertura e no fechamento dos poros, controlando a transpiração, ajudando as estruturas articulares, como também a saúde e a aparência da pele.
Se pensarmos na respiração como o primeiro e o último ato feito na vida de uma pessoa, por mais reflexo e mecânico que este ato possa parecer ser, fica possível compreender o porquê que o seu estudo e aprimoramento suscitaram tanta importância em todo Oriente. Como dizem os Mestres Taoístas, só é possível compreender alguma prática com profundidade por meio da experiência. Sem praticar e sentir por si próprio o resultado, tudo o que foi dito são apenas palavras e nada mais.
1Esta expressão está relacionada à busca de uma espontaneidade no relaxar, em que se permite que haja uma melhor fluidez da energia vital pelo corpo, fato este que é realçado por um estado de desprendimento e não intenção.